A finalidade da política pública de gestão do trânsito é melhorar a segurança e garantir os direitos da população, não apenas fiscalizar regras por si só. Por isso, toda atuação do Estado no sentido de fiscalização deve ser bem coordenada com outras medidas como a oferta de infraestrutura e ações educativas visando a mudança efetiva de comportamento.
Na situação atual das cidades brasileiras, canalizar recursos públicos, efetivo policial e agentes de trânsito para fiscalizar e punir pedestres e ciclistas seria uma ação altamente ineficiente para atingir o objetivo de melhoria da segurança no trânsito. Essa medida, hoje, resultaria numa inversão de prioridades, penalizando ainda mais o transporte ativo e desestimulando a escolha pela mobilidade sustentável. Ao contrário, o esforço de fiscalização deve ser orientado proporcionalmente para quem causa o maior número de mortes no trânsito, os automóveis.
Um ótimo exemplo que ajuda a compreender a questão é o que aconteceu em SP, após a implementação da ciclovia da Avenida Paulista. As pesquisas realizadas indicaram que o número de ciclistas na contramão ou na calçada foi reduzido de forma avassaladora após a implantação da infraestrutura cicloviária, caindo de 20% e 16% nas medições anteriores à ciclovia para 4% na véspera da sua inauguração e, finalmente, para 1% após a estrutura estar plenamente estabelecida. Já ciclistas que usavam a calçada registravam percentuais similares, de 27% e 18% antes da ciclovia, caindo para 11% na véspera da inauguração e apenas 2% após a implantação total. (Veja o estudo completo aqui)
Ou seja, a oferta de estrutura adequada se revelou essencial para permitir o comportamento seguro. E na ausência de condições mínimas, que garantam o direito de deslocamento das pessoas, o comportamento indesejado prevalece.
Colocando em números, Brasília possui 13.741 km de vias pavimentada que priorizam a circulação de veículos motorizados e apenas 421 km de ciclovias desconexas. Uma cidade assim leva os ciclistas a realizarem trajetos muitas vezes improvisados, tendo que fazer trechos de contramão ou na calçada, visando a sua própria preservação – sobretudo ciclistas iniciantes. O mesmo ocorre com os pedestres, quando não há calçadas nem opções adequadas de travessia.
Portanto, antes de oferecer condições mínimas de circulação para o uso da bicicleta, a fiscalização se torna cara e ineficiente. Quando pelo menos 25% da malha viária do DF for composta por vias cicláveis (estamos em 3% em 2017) e a participação da bicicleta for superior a 10% (último dado indica 2% em 2009) aí sim talvez seja o momento de começar a pensar em multar ciclistas.