por Pedro Gontijo Menezes
Com a construção de ciclovias no Distrito Federal e quantidade de ciclistas aumentando a olhos vistos, os cidadãos de Brasília começaram a perceber que, para incentivar o uso da bicicleta no trânsito da cidade, não basta pensar apenas em estrutura. Ao adotar um meio de transporte pouco utilizado até agora, refletimos como compartilhar o limitado espaço urbano. Insistir somente na criação de mais um espaço segregado – a ciclovia – não resolve automaticamente o problema. A eventual sensação de tirar alguém do espaço, seja o pedestre ou o ciclista fora do caminho do carro, é falsa: em algum momento, os caminhos se cruzam.
É precisamente nas travessias que a harmonização do trânsito é colocada à prova. E os cruzamentos sinalizados das novas ciclovias, quase prontos (faltando, pelo que parece, apenas a sinalização vertical, isto é, as placas), estão confundindo as pessoas ao invés de harmonizar o fluxo.
O princípio da preferência do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) entre veículos diferentes e entre eles e os pedestres é conhecido: os maiores devem zelar pela segurança dos menores, e todos pelos pedestres (CTB, art. 29, §2º). Mas os pontos de conflito das travessias, a lei e a sinalização confusa complicam a regra aparentemente simples.
O Código não fala diretamente de travessia de ciclistas, mas determina que não dar preferência de passagem a pedestre e veículo não motorizado é infração gravíssima:
Art. 214. Deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado:
I – que se encontre na faixa a ele destinada;
II – que não haja concluído a travessia mesmo que ocorra sinal verde para o veículo;
(…)
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa.
Parece razoável entender que a “faixa a ele destinada” inclui ciclofaixas, faixa de pedestres e a faixa de cruzamento de ciclovia e ciclofaixa. Também parece razoável não acelerar o carro para cima de pedestres e ciclistas que atravessam a rua no momento em que o sinal abre para os veículos. Além da lei, é questão de bom senso. O art. 214 também determina a preferência a pedestres e ciclistas que já iniciaram a travessia, tanto na pista onde se encontra o carro quanto na pista transversal para onde o carro se dirige, mesmo se não houver qualquer sinalização de travessia:
Art. 214. Deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado:
IV – quando houver iniciado a travessia mesmo que não haja sinalização a ele destinada;
V – que esteja atravessando a via transversal para onde se dirige o veículo:
Infração – grave;
Penalidade – multa.
A preferência para pedestres e ciclistas que estejam atravessando a via aonde o carro se dirige também está no artigo 38, parágrafo único:
Art. 38, Parágrafo único. Durante a manobra de mudança de direção [para outra via ou lotes lindeiros], o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem.
Parece bem claro: o motorista que vai entrar com o carro em qualquer pista lateral, rua transversal, entrada de quadra, garagem ou lugar parecido deve dar preferência a pedestres, ciclistas, skates, carroças, etc. que estejam atravessando aquela rua ou entrada.
Se o ciclista ainda não começou a atravessar, ou se o cruzamento está numa pista principal e não em uma interseção, seria natural pensar que a faixa da ciclovia dá preferência ao ciclista assim como a faixa de pedestres dá preferência ao pedestre. Porém, nesses cruzamentos, o DETRAN-DF pintou um sinal de PARE… para o ciclista! E ainda dá a orientação para que o ciclista faça sinal de mão para atravessar, tal qual o pedestre na faixa, como se o braço do ciclista fosse mais visível do que uma bicicleta inteira. Essa estrutura e essa orientação levam a uma situação na qual o ciclista não tem a prioridade que o CTB determina. Ele depende de parar, sinalizar, aguardar um motorista respeitoso (o que infelizmente pode demorar) e retomar o passo para ter segurança no trânsito. A responsabilidade pela travessia segura recai menos sobre quem opera uma máquina pesada no meio da rua, e mais sobre quem é mais frágil.
De fato, o sinal de PARE na faixa da bicicleta está no manual de sinalização do Conselho Nacional de Trânsito mas apenas em caso de cruzamentos onde tem semáforo. Quando o cruzamento não tem semáforo, o CONTRAN permite a opção (mas não obriga) de pintar uma faixa de retenção para o carro e não para as bicicletas. O cidadão comum, que não é especialista em engenharia de tráfego mas é o principal beneficiário dela, fica sem orientação clara: afinal, quem tem preferência de passagem: a bicicleta, segundo o CTB? Ou o automóvel, como a sinalização parece indicar?
Em cidades onde bicicleta é um meio de transporte acolhido nas vias urbanas, a preferência nos cruzamentos é sempre do ciclista. A preferência da bicicleta é indiscutível tanto na sinalização como na legislação: faz sentido que o meio de transporte mais frágil e menos custoso para a cidade tenha prioridade no trânsito. É razoável deixar que o veículo motorizado faça o “esforço” de parar e acelerar mais, enquanto o veículo não-motorizado e o pedestre sigam com mais constância e, consequentemente, maior conforto.
É difícil mudar as normas imediatamente, mas é simples fazer a nossa parte para mudar a cultura. É bom que o ciclista mostre que tem a preferência, sempre com respeito e segurança, e muitos motoristas entendem e protegem o ciclista e o pedestre. O mesmo deve ser feito com o pedestre que caminha pela ciclovia, seja ela compartilhada ou não. A cultura em que devemos investir não é a do enfrentamento, mas do compartilhamento.
Gostaria de uma informação: ciclista na contramão, na ciclovia, tem preferência nos cruzamentos? Ou deve dar a preferência aos carros , quando estiver na contramão da rua? Agradeço a quem puder informar.