por Letícia Bortolon, arquiteta urbanista e voluntária da Rodas da Paz
O sentido de “mão” e “contra-mão” das vias é uma convenção estabelecida com o foco voltado para a circulação de transportes motorizados. Cada país adota a sua forma, tanto que existe a famosa mão inglesa, onde a circulação se dá no sentido contrário daquela que adotamos no Brasil, por exemplo.
Falar em mão e contra-mão só é razoável quando as vias estão sendo utilizadas por pessoas em veículos com finalidade de deslocamento. Mesmo assim há situações em que é legalmente permitida a circulação em contra-mão por bicicletas em determinadas ruas como acontece na Holanda, para citar um caso. Quando uma via é fechada para outro uso qualquer não há porque se estabelecer uma norma de circulação baseada na ideia de mão e contra mão.
É o caso do Eixão do Lazer, fechado para veículos motorizados aos domingos. A então rodovia se torna temporariamente um espaço público voltado ao lazer de forma ampla, inclusiva e livre. Ali todos tem direito de usar o espaço na forma que lhes convir: andando, correndo, pedalando, sentando, pulando amarelinha, fazendo piquenique, passeando, brincando com seus animais de estimação e etc.
Pedir que as pessoas circulem no “sentido da mão da via” é querer que elas se comportem como os carros, privando-as de usufruir do espaço com a função para a qual ele foi criado, recriando a lógica do automóvel num momento onde o que vale são a espontaneidade e a liberdade de utilização.
Mas é preciso sim que se reforce o caráter da via de lazer e que se eduque as pessoas para usá-la como tal.
Uma via de lazer definitivamente não comporta ciclistas em treino de alta velocidade, por exemplo, e no Eixão de Lazer, assim como na vida, deve sempre valer a máxima do respeito aos outros num espaço de convivência compartilhado, onde o maior tem sempre a responsabilidade de cuidar do menor, estejam eles circulando em qualquer uma das direções.
Sem dúvida, Rodrigo! Dizer que não se aplica mão e contra mão para pedestre não isenta ninguém de andar ou pedalar com cuidado no Eixão do Lazer. Mas afirmar que existe um “lado correto” dá a atender que se acontece um acidente como um ciclista que trafega “no lado correto” atropelar uma criança que estava apenas parada brincando com um cachorro, a criança estaria errado por não estar do “lado correto”. A questão é que para os diversos usos do Eixão, realmente o sentido de mão e contra mão não se aplica!
Acho que a questão é um pouco mais complexa. Realmente exigir que as pessoas sigam a mão utilizada pelos veículos motorizados descaracterizaria o conceito do Eixão do Lazer, porém, acho que dentro do possível, as pessoas devem sim seguir pelo “lado correto”, pois é uma maneira de evitar acidentes e permitir que todos, ciclistas, skatistas, corredores de rua e famílias, convivam sem problemas. Obviamente, o Eixão aos domingos não é local para que os ciclistas (e também skatistas), trafeguem em alta velocidade, mas o respeito pelas diversidades de modalidades praticadas também é fundamental para que não ocorram acidentes.
Olá Marcelo!
Você está correto na sua observação. Aliás, a tese de doutorado da professora Mônica Gondim da FAU-UnB trata desse assunto e do surgimento das vias de grande circulação nas cidades de forma apaixonante (de verdade! É uma tese que vale a consulta). De todo modo, não escrevi que o conceito surgiu com os veículos motorizados e sim que foi estabelecido com foco neles. Talvez tivesse sido mais correto dizer que essa convenção apenas tenha se fortalecido com a invenção dos mesmos. Muito obrigada pela sua contribuição! Seja sempre bem vindo para participar e enriquecer nossos debates.
Abraço,
Letícia
Na contra mão ou não realmente não faz sentido isso. Fui uma vez no Eixão no ano passado com esposa e filha, com então 2 anos e meio. Não volto mais. Fiquei horrorizado com a velocidade que ciclistas andam entrem as pessoas – crianças, idosos etc -, fazendo zigue zague, às vezes sem as mãos, alguns andando como se estivessem treinando. Não há fiscalização alguma, orientação alguma, nada. Ciclistas agindo da mesma maneira que agem os motoristas de carro que criticam. Se um psicopata faz isso com uma bicicleta imagina com um carro na mão.
Olá, Leticia! O texto é bacana e traz uma perspectiva diferente para uma pergunta que eu já me fazia há algum tempo! Parabéns! Mas, vale uma correção: “sentido de fluxo”, “mão” e “contramão” não são conceitos que surgiram com os veículos motorizados… Surgiram muito antes, com cavalos, carroças e carruagens.