Os cicloativistas e moradores do Guará, reunidos pela Rodas da Paz, realizaram a inspeção nas obras do Guará II, neste sábado (26/3). Usaram os mapas impressos do projeto, que estão arquivados no Geoportal do GDF, para entender a proposta, sua execução e o impacto na comunidade local.
A formação do grupo levou em conta o conhecimento técnico e de legislação, a experiência e a familiaridade com projeto cicloviário e a percepção de quem convive todos os dias com a obra. Durante o trajeto do grupo pela obra, diversos moradores e pessoas que estavam se deslocando pela área pararam para conversar sobre o projeto e também expressaram sua percepção sobre a iniciativa. Fornecendo uma contribuição valiosa e contrapontos que puderam ser discutidos a fim de se chegar a resultados que beneficiem a todos.
O projeto completo, dividido em 3 trechos, prevê uma ciclovia contínua no Guará II ao longo da avenida Central, o que permitirá um melhor deslocamento pelo bairro, acesso à estação Guará e aos comércios locais dessa região central, e estará interligada com a ciclovia que já existe na Avenida Contorno.
BAIXE AQUI OS ARQUIVOS DO PROJETO:
Planta da Obra
Memorial Descritivo
Seguindo a “linguagem” do projeto, a obra no Guará II é dividida em três trechos:
Trecho 1 – Estação Guará do Metrô até a Delegacia (4ª DP)
Trecho 2 – 4ª DP até edifício Consei
Trecho 3 – Entre a quadra QI 33 e o Terminal de ônibus do Guará II
A proposta conta com calçadas adaptadas a cadeirantes e pessoas com mobilidade restrita, piso tátil para deficientes visuais, quatro faixas de pedestre convencionais e uma faixa de pedestre elevada ao nível da calçada. Além de uma nova praça e outras benfeitorias.
Na inspeção, constatou-se a real necessidade da obra para a acessibilidade de toda população e não somente dos que se locomovem de carro. O grupo refuta veemente a proposta de demolição das obras já realizadas visto que isso traria um retrocesso na mobilidade ganha além de um desperdício de dinheiro já investido. No entanto, foram identificados pontos que merecem imediata correção, com destaque para as falhas na sinalização vertical (placas) e horizontal (pintura de chão) da obra. Falta inclusive uma placa que traga informações gerais sobre a construção – que informe o que vai ser feito, quanto será investido, quem é o responsável técnico e da empreiteira.
De acordo com o que foi levantado pelos cicloativistas e moradores, a falta da nova pintura das faixas é um dos principais motivos da confusão sobre a obra, dando a falsa impressão de que existem “quinas” da nova calçada “invadindo” a pista (foto 1). No entanto, a nova sinalização deixará as faixas com a largura prevista no projeto (de aproximadamente 3,20m no trecho 1), mantendo o meio-fio em questão fora da faixa de circulação de veículos.
(foto1)
Há também um trecho onde a sinalização refeita nas pistas funde a pintura das novas faixas de rolamento com as faixas anteriores, o que tem prejudicado a orientação de quem dirige.
Outro problema são os pontos de ônibus, que ainda vão ser realocados durante a obra, mas, no momento, ficam afastados do local em que o ônibus pára. Essa mudança será essencial, pois a ciclovia está prevista para passar por detrás da parada. Novamente, a falta de sinalização tem deixado a circulação de pedestres e ciclistas ainda sem a orientação adequada.
Os ônibus e seus usuários também estão sendo prejudicados devido a falta de sinalização dos locais de parada. Ressalta-se que baias físicas não são necessárias e que as dimensões do ponto de parada comporta o ônibus para embarque e desembarque de maneira satisfatória. No entanto, A falta de sinalização novamente prejudica a percepção do cidadão, visto que vários carros estavam estacionados em locais que prejudicam o deslocamento dos ônibus. Forçando assim, os motoristas a pararem ocupando a segunda faixa.
Carro parado na área de embarque e desembarque do ônibus
Em alguns pontos, o grupo identificou inadequação no posicionamento do piso tátil (foto 3) e falta de sinalização de uma das rampas para acesso de cadeirantes à faixa de pedestre.
Ao inspecionar o local onde serão construídos os trechos 2 e 3, o grupo pôde identificar seus potenciais benefícios. Grande parte da calçada desses trechos é estreita e há pontos com desníveis – a obra possibilitaria calçadas com melhor qualidade e acessibilidade para os pedestres. No trecho 1 é visível a diferença da calçada velha e da calçada nova (foto 4). Contrastando com o trecho 2 onde atualmente é impossível a mobilidade de pessoas com dificuldade de locomoção.
O trecho 3, localizado em uma área do bairro onde estão sendo construídos diversos novos prédios, será essencial para a conectividade entre metrô, a parte central do Guará, a ciclovia da Avenida do Contorno e o terminal de ônibus.
A leitura das plantas do trecho 2 e 3 levantaram algumas dúvidas (como partes da planta onde não há previsão de ciclovia e a não redução da velocidade no trecho 1 e 3, que atualmente são de 50 e 60km/hora, respectivamente) e sugestões (como a importância de garantir retornos para os carros na avenida central de forma bem sinalizada, em especial no Trecho 2b).
A redução da velocidade em todos os trechos para 40 km/h é necessária visto que a avenida está localizada em uma região central do Guará onde a segurança das pessoas que circulam a pé é essencial. Reduções como essas causam comprovadamente impactos mínimos sobre o tempo de deslocamento dos motoristas e uma diferença significativa no número de acidentes de trânsito e na gravidade dos que ocorrem.
Os retornos a serem incluídos nos trechos 2 e 3 são importantes visto que também é necessário garantir uma boa circulação dos veículos. No entanto, é importante ressaltar a extrema importância de uma boa integração e sinalização com a ciclovia nesse trecho já que ela está incluída no canteiro central. Diversos exemplos de ciclovias ao redor do mundo mostram que essa é uma possibilidade viável. Podemos citar a ciclovia da Avenida Paulista que foi construída no canteiro central e possui pontos de interação com carros bem sinalizados e seguros.
Os retornos devem ser repensados em sua posição e a possibilidade de estreitamento das faixas nos trechos 2B para a criação de uma área de desaceleração e espera para o carro antes da entrada no retorno e para garantir o respeito à velocidade de 40km/h proposta.
Esses questionamentos serão levados pelo grupo para discussão junto à Seduh e a população, na audiência pública.
A comunidade está sendo beneficiada por um acordo firmado em 2011 por iniciativa do Ministério Público, com as construtoras de edifícios de 26 andares na Orla do Guara II. As empreiteiras devem arcar com os custos como forma de compensar a cidade pelo impacto negativo acarretado pelos condomínios verticais erguidos a partir de 2007 e com novos espigões ainda em construção. É a forma de se compensar o impacto negativo ambiental gerado pelo possível aumento do número de carros, poluição e engarrafamentos gerados pelos prédios.
Projetos como esse são pontos de mudança na mobilidade urbana e mentalidade quanto harmonia entres os modais nas cidades. Apesar de ser um projeto realizado em 2011 e revisado em 2018 e serem necessárias algumas melhorias, Ele está de acordo com as tendências atuais de mobilidade urbana e trará muito mais benefícios do que o contrário.
Ele apresenta uma concepção inclusiva para a cidade, onde crianças, idosos, pessoas com dificuldade de locomoção e cegos possam de fato transitar na nossa cidade de forma ativa. Para isso, em algum momento o espaço para o carro terá que ser comprometido, diminuindo seu monopólio em nossas vias. Na visão do grupo, as mudanças demográficas ocorridas nos últimos anos não justificam uma abordagem diferente do projeto favorecendo o transporte de carro em detrimento de outros modais. Até mesmo porque o último PDAD (Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios) realizado no guará é referente ao ano de 2018. Sendo portanto, a referência mais atual sobre a população guaraênse.
Gostaríamos de frisar que esse relato foi feito por um grupo constituído por moradores do Guará, Cicloativistas e pessoas que vivem, estudam sobre a mobilidade urbana e estão diariamente praticando a mobilidade ativa, andando pelas calçadas, ciclovias e transportes públicos.