Correio Braziliense, 1º de junho de 2015
» Renata Florentino, Coordenadora geral da ONG Rodas da Paz
» Jonas Bertucci, Ex-presidente e atual conselheiro da ONG Rodas da Paz
Nenhuma morte no trânsito é aceitável, principalmente quando as causas podem ser prevenidas e controladas. O conceito de Visão Zero, originado na Suécia em 1997, se fundamenta nessa premissa. Desde 2005, as fatalidades envolvendo bicicletas vêm caindo no DF. Em 2014, foram registradas 22 mortes, o menor índice desde o início da década de 2000, quando os dados discriminando as ocorrências começaram a ser disponibilizados.
No início de 2015, a tendência parece ameaçada. Apenas nos primeiros quatro meses do ano, houve 14 mortes de ciclistas, mais da metade de todas as ocorrências registradas no ano anterior. A que se deve o aumento? É urgente superar mitos para avançar em ações efetivas e não perder o rumo do trânsito no DF.
É comum afirmar que o aumento das fatalidades com ciclistas seria consequência do crescimento do uso da bicicleta, estimulado pela disponibilização de ciclovias e faixas cicláveis. No entanto, embora não haja dados atualizados sobre a participação da bicicleta nos deslocamentos do DF (segundo o Plano Diretor de Transporte Urbano — PDTU —, o número correspondia a 2,3% em 2009), o fato é que o maior uso está associado à maior segurança.
Quanto mais bicicletas nas ruas, mais ela é percebida com naturalidade no trânsito e melhor o comportamento dos motoristas ao compartilhar a via. É o que indicam as estatísticas das cidades onde a participação da bicicleta cresceu após a execução de políticas bem coordenadas. Além disso, caso as mortes fossem decorrentes do aumento do número de ciclistas, seria de esperar a preponderância de iniciantes entre as vítimas — o que não parece ser o caso. Em 2015, não identificamos nenhuma fatalidade com iniciantes.
Outra afirmação questionável é a de que a tendência de redução de mortes se deve às recentes ciclovias. Não há evidências para tal afirmação. Analisando o histórico da última década, verifica-se que mais de 55% das mortes ocorreram em rodovias, como a Estrada Parque Taguatinga (EPTG), que não receberam prioridade na implantação de ciclovias. O balanço publicado pela Rodas da Paz indica que mais de 40% das ciclovias estão na região central, onde ocorreram 4% das fatalidades. Caso os projetos tivessem sido orientados segundo critérios de segurança, o risco para quem opta pela bicicleta seria muito menor.
Por isso, a comparação com capitais como Amsterdã ou Nova York não deve ser feita em termos de quilometragem de ciclovias apenas. É preciso considerar a participação da bicicleta nos deslocamentos e avaliar o risco de cada via. Amsterdã, onde mais de 50% da população utilizam a bicicleta cotidianamente, registra cerca de seis mortes por ano. Nova York, com população sete vezes maior que a do DF, registrou 12 mortes em 2013 e dobrou a participação da bicicleta em apenas 4 anos, mesmo apresentando quilometragem menor de ciclovias.
A implantação de ciclovias sem o estabelecimento de princípios e prioridades de segurança, como se deu aqui, é erro grave que não deve ser repetido. A execução dos projetos do DF desconsiderou o equacionamento dos pontos de conflito (muitas vezes em desobediência às normas do Código de Trânsito), não houve adequado e permanente trabalho de divulgação e educação e, principalmente, de fiscalização e orientação.
Bons dados são aliados de boa política pública. O acompanhamento estatístico das ocorrências no trânsito e a realização de pesquisas periódicas sobre os tipos de deslocamentos da população são imprescindíveis para direcionar ações governamentais e traçar metas para futuro desejável sem mortes e com mais bicicletas nas ruas.
Nota: entre o envio deste artigo e sua publicação, aumentou para 16 o número de ciclistas mortos no trânsito do DF.